quinta-feira, 1 de outubro de 2009
As Faces do Feminino
Inúmeras são as faces do feminino. Todas as suas infinitas representações estão contidas na figura da Grande Deusa, ela própria composta da miríade de aspectos que compõem a imagem do Grande Feminino, o Grande Redondo que tudo abarca e tudo contém.
O conjunto de suas representações se relaciona com todos os fenômenos da vida, incluindo a morte. Representa o céu, a terra e as águas, o sol, a lua e as estrelas, o reino vegetal, mineral e animal. Manifesta-se por meio das forças da natureza e seus elementos: ar, fogo, água e terra.
O mundo concebido como a manifestação da Deusa é um mundo múltiplo, variado e diverso, os diferentes elementos que o compõem se vinculando numa grande teia, definida por suas relações mútuas.
As inúmeras faces do feminino são os inúmeros aspectos do mundo fenomenal, incluindo os fenômenos visíveis e invisíveis, que se manifestam sempre no aqui e agora.
Intimamente relacionada com o viver e o experienciar, esta Grande Deusa se desdobra nas três grandes etapas da vida: a juventude, a maturidade e a velhice, encontradas em quase todas as tradições e representadas pela jovem donzela, pela mulher fértil e pela sábia anciã. O desdobramento é uma das características do feminino, sempre múltiplo.
A mais antiga das divindades gregas é Gaia, palavra grega que corresponde ao latim Terra e designa nosso planeta, nossa casa, a terra mãe. Conta o mito que, sentindo-se solitária, pariu Urano, o céu constelado, para envolvê-la toda. E com ele pariu todos os demais seres.
Desdobrável que é, podemos vê-la funcionando em seus três modos: instintivo, emocional e intuitivo.
O jeito instintivo de ser é próprio da juventude, quando nos deixamos levar e guiar por nossos ímpetos. É característico da jovem donzela, saindo da meninice e florescendo em seu pleno potencial, mas ainda não completa. Caracterizando-se por um estado desconhecido de alegre incerteza, este estado de consciência pertence a todas as mulheres e homens e felizmente pode se manifestar em qualquer época da vida.
É um estado de prontidão, de excitação diante do desconhecido, de apaixonamento, quando esperamos receber todas as dádivas da vida. Manifesta-se como espanto e curiosidade a respeito das próprias possibilidades e das possibilidades da vida, uma abertura aos mistérios e perigos que estão adiante. É um estar em processo, vivendo a antecipação, a liberdade e a espontaneidade que sentimos quando nos apaixonamos, seja pelo amanhecer, pela mudança das estações, por uma pessoa, um projeto. Nos faz experimentar a natureza como plena de coisas boas e de dádivas, a vida como plena de possibilidades. No cerne da instintividade está a receptividade, pois é preciso coragem e confiança para estar receptiva, deixando a vida fluir enquanto ainda não se sabe, mas se está consciente de não saber. Alerta e atenta aos tesouros que a vida pode trazer inesperadamente, a jovem se permite fluir nas águas da vida sem controle, deixando a correnteza levá-la. É um estado abençoado de ignorância, pois quem sabe não tem o que aprender e, portanto, não pode crescer e se tornar.
O ímpeto que nos move pode ser amoroso ou guerreiro.
O ímpeto amoroso é representado por Afrodite, a deusa grega do amor, da sexualidade, das artes e da beleza. Representa a energia que nos leva de encontro ao outro, que nos conecta com o mundo e com as pessoas. Possui a qualidade erótica que mantém unidos todos os elementos do universo. Quando estamos vivendo esta face do feminino, somos impulsionados pela paixão e nos atiramos inteiras, sem pensar nos riscos. O ímpeto guerreiro é representado por Ártemis, a deusa da natureza selvagem. Como senhora dos Animais, seu mundo é mais introspectivo, intimamente conectado com a natureza em seu estado primordial. Quando somos tocados por esta face do feminino, nos sentimos impulsionadas a buscar espaços isolados, longe do mundo urbano, civilizado. Procuramos o silêncio e a paz dos paraísos ecológicos. Podemos nos aventurar em lugares remotos do planeta, buscar animais não domesticados. O jeito emocional de ser é determinado pelos nossos sentimentos. Quando expressamos o conhecimento que vem da experiência registrada em nossos corpos, acolhemos e apreciamos cada oportunidade, encontrando uma dádiva em tudo que nos chega. O estado emocional nos deixa atentas e conscientes dos fluxos e refluxos das correntes em todos os relacionamentos. A atitude básica é de aceitação, confiança e inclusão. Encorajamos a comunidade, valorizamos suas experiências, somos movidas por um forte senso de justiça e expressamos a habilidade de nutrir outros, estimulando a tendência para formar comunidades e mantê-las unidas.
Expressamos a abundância da mãe terra que nutre e sustenta a vida a partir da riqueza e dos recursos de seu corpo abundante. Vivemos nosso corpo em sua plenitude, a mente e o coração fluindo com as dádivas do nosso ser. Quando vivemos plena e fluentemente em torno do nosso próprio centro, buscando o que desejamos e necessitamos, realizamos nossos sonhos e determinamos nossos próprios valores, raciocinando, tomando decisões, fazendo escolhas, assim sustentando e alimentando a vida em sua plenitude.
A emoção pode ser experimentada de forma maternal ou de forma soberana.
O aspecto maternal é representado por Deméter, a Deusa-Mãe, responsável pelas terras cultivadas. Representando a própria fertilidade, produz o alimento que nutre seus filhos. Tem como símbolo maior a espiga de trigo e cada vez que comemos um pedaço de pão, é a ela que devemos dar graças. Viver esta face não significa apenas ser mãe biológica. Podemos maternar tudo que vem até nós: planta, animal, ser humano. Tudo que é pequeno e necessitado de cuidados pode mobilizar esta energia em nós.
O aspecto soberano é representado por Hera, a Grande Rainha. Refere-se ao poder exercido amorosamente, à criação de condições para que a vida em sociedade possa se desenrolar harmônica e pacificamente. Quando vivemos a soberania, exercemos nossas habilidades a serviço da comunidade, preservando os valores e as tradições que nos conferem um sentido de identidade.
O modo intuitivo de viver está baseado na manifestação de uma sabedoria madura e profunda, resultante de muita experiência, destilada ao longo de muitas vidas e transformada na essência do saber, a verdadeira sabedoria que jamais se torna ultrapassada. Quando somos movidos por um saber que brota das profundezas do nosso ser, em conexão com o universo e em harmonia com seus ritmos, expressamos a sabedoria compassiva, que não é distorcida pela ilusão ou pelo sentimentalismo. Ela é mais ampla que o conhecimento intelectual, apesar de incluí-lo. É a compreensão calma, que nos possibilita olhar para os acontecimentos com serenidade e compreensão, que emergem da sabedoria ancestral acumulada ao longo dos milênios.
Mas também pode mostrar sua face terrível, porque é o portal para a morte. A intuição pode ser expressa por meio da sabedoria/justiça ou por meio da magia/ocultismo.
A intuição sábia e justa é representada por Atena, patrona da vida urbana, dos ofícios e das agremiações, de todos os recursos civilizatórios. Nos impulsiona ao estudo, à pesquisa, ao desenvolvimento da civilização. Nos sentimos parte da polis.
A intuição mágica ou oculta é representada por Perséfone, Senhora do Mundo Profundo. É mágica porque sua influência emerge de dentro e está ligada a tudo que chamamos de inconsciente. É um saber que vem de outros níveis de consciência. Nos atrai para os mistérios, para as artes divinatórias, para práticas espiritualistas, transpessoais.
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“A Magia é o estudo sério das leis que regem as forças que nos rodeiam e que são postas em ação pelo poder da Vontade; a Magia é a ciência que ativa a potência do verbo e, sobretudo, dirige e concentra o poder do Amor, porque a magia não é branca e nem negra. A cor da Magia está no coração de quem a pratica.”
(Márcia Villas-Bôas)
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