quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Artemis e Atena - Caminhos para a independência
Ser quem somos parece ser a coisa mais fácil! Mas quando tentamos simplesmente ser quem somos, encontramos muitos obstáculos, internos e externos. Qualquer mulher que esteja em busca de ser ela mesma já se deparou com as dificuldades do caminho.
Por muito tempo, a identidade de uma mulher estava diretamente relacionada com os homens presentes em sua vida, fossem pais, parceiros, filhos. Nos tempos atuais, vemos cada vez mais mulheres buscarem sua independência deste papel complementar, expressando sua individualidade e autonomia de um modo próprio.
Na história da humanidade, sempre houve mulheres cuja vida e identidade eram independentes. Elas recebiam a alcunha de ‘virgens’, designando uma mulher que não pertencia a nenhum homem. Elizabeth, a ‘rainha virgem’ que regeu a Inglaterra no século XVI, teve que enfrentar as forças espanholas que queriam tomar seu reino. Cate Blanchett, no papel da rainha em “Elizabeth – A Era de Ouro”, nos apresenta com maestria o conflito interno que vem com a independência. Na cena final, depois de invocar ajuda divina para suportá-la, ela afirma “Eu sou a Rainha. Eu sou eu mesma”.
Afirmação semelhante foi a de uma adolescente dos dias de hoje que, em seu caminho para se tornar independente, confessou o quanto é “difícil ser Eu”.
A mitologia grega nos oferece dois modos distintos de seguir o caminho da independência, caminhos estes personificados nas deusas ‘virgens’, Ártemis e Atena. Enquanto Ártemis escolhe o caminho da natureza selvagem, Atena segue o caminho da civilização. Qual o caminho que você escolheu na sua vida? Será possível conciliar estes dois caminhos para uma experiência mais plena de ser “eu mesma”?
Ártemis, a deusa da natureza selvagem, é virgem, como todos os lugares ainda não violados do planeta, espaços em que se aventuram apenas os pessoas mais destemidas, aquelas que se sentem atraídas para lugares remotos, intocados. Vamos encontrá-la na solidão das florestas, nas profundezas das cavernas e nas alturas das montanhas, banhando-se em cachoeiras ou dançando em campinas floridas.
Representando a força imanente em toda a natureza, Ártemis está contida no mundo selvagem, no espírito do lugar, na linguagem dos animais, aves, peixes, insetos. Como a Senhora dos Animais, ela nos remete diretamente aos tempos pré-históricos das coletoras e caçadores, nossos ancestrais remotos, que ainda viviam em íntima relação com todos os seres vivos.
Como a própria alma pura da natureza vestida de donzela, ela vagueia livremente, dançando e cantando nas vozes murmurantes dos regatos, no farfalhar das brisas e no sussurrar das flores. Como a própria natureza, ressente-se de qualquer invasão que interfira com a harmonia de sua existência. Como a deusa das coisas selvagens, manifesta uma atitude natural de proteção em relação aos animais e a tudo que é recém-nascido, razão pela qual é invocada em momentos de transição, como nascimento, puberdade e morte.
Quando somos tocadas por esta deusa, nos sentimos impulsionadas a buscar espaços isolados, longe do mundo urbano, civilizado. Procuramos o silêncio e a paz dos paraísos ecológicos. Podemos nos aventurar em lugares remotos do planeta, buscar animais não domesticados.
Como a última das deusas assimiladas ao panteão grego, Ártemis representa a resistência de um modo de vida natural ao advento da civilização e da urbanização, saudosismo que traz como resultado o sentimento de solidão, que aflige tantas de suas filhas. Mas também é o ponto de partida para o desenvolvimento de uma independência mais integrada, mais amadurecida.
Podemos passar a vida nos ressentindo e nos queixando de solidão, ou podemos encontrar meios e jeitos de integrar essa qualidade, tão necessária para um mundo mais harmônico, não recriando a harmonia perdida nas brumas, mas criando uma harmonia adaptada ao nosso tempo, recuperando qualidades que foram sendo deixadas pelo caminho.
Como podemos expressar esta qualidade artemisiana em nossa vida moderna, como habitantes de cidades de concreto, congestionadas e barulhentas?
Podemos começar com nosso mundo interior, estabelecendo uma relação mais harmonioso com nosso corpo, ouvindo profundamente quais são nossas reais necessidades e desejos, escolhendo o que comemos, que música ouvimos, que roupa usamos, quais lugares frequentamos, selecionando aquilo que nos faz bem.
Ao definir nossas reais prioridades e agir no sentido de implementá-las em nossa vida, podemos criar mais harmonia e bem-estar. Quando resistimos ao que nos é cotidianamente inculcado pela propaganda, pela mídia, pelo sistema coletivo de crenças e por nossos próprios padrões limitantes, podemos recuperar nossa natureza original, vivendo em harmonia com tudo que nos cerca. Podemos seguir nosso coração, seguir o caminho escolhido por Ártemis.
Atena, por sua vez, nos mostra o caminho da civilização. Patrona da vida urbana, dos ofícios e das agremiações, ela nos impulsiona ao estudo, à pesquisa, ao desenvolvimento dos recursos civilizatórios.
Filha de Métis, a deusa grega da sabedoria, e de Zeus, o poderoso senhor do Olimpo, Atena é identificada com a criação da civilização característica de uma comunidade humana que vive em cidades, um espaço criado artificialmente, por meio da engenhosidade humana.
Além do saber abstrato, manifestado através da produção artesanal e industrial, da arte da guerra, do poder institucionalizado, introduzido pelo princípio masculino, Atena também incorpora a sabedoria intuitiva de sua mãe, finamente sintonizada com os sutis processos de transformação, que ocorrem continuamente na vida das pessoas, receptiva aos sentimentos pessoais, poéticos e sensíveis, próprios do princípio feminino.
Com coragem e brilho, ela transita entre os reinos da alma e do espírito, tecendo incessantemente a teia que abarca toda a humanidade, revelando-se como a grande deusa tecelã das origens. Na figura da Atena olímpica, ela reúne a herança de mãe e pai, escapando ao papel desqualificado que o patriarcado impôs às mulheres.
Forte e determinada, sábia e poderosa, ela representa a justiça amorosa, que trabalha sobre um quadro de maior inteireza, captado por seus bondosos olhos cinzas, que veem através da escuridão da ignorância.
Ao escolher este caminho em direção à independência, Atena se distanciou de suas emoções e cobriu seu coração com a figura protetora da Górgona. Quando seguimos seu exemplo e nos aventuramos pelo universo do saber, também corremos o risco de nos distanciar de nossas emoções e terminar ressequidas, frias, distantes. Sentimos falta dos cuidados amorosos da mãe natureza, sentimos falta de suas águas frescas e fluentes que podem nos revitalizar.
Então, como podemos expressar as qualidades atenianas, sem nos distanciarmos dos movimentos naturais, da vivência amorosa, da relação com tudo que existe? Podemos nos perguntar a que serve o saber que criamos, como aplicá-lo com discernimento, como colocá-lo à disposição de todos, para o benefício de todos. Partilhar é o desejo mais profundo que pulsa no coração de Atena e que ela traz de sua origem arcaica, a mesma origem arcaica de Ártemis.
Quando partilhamos nosso saber, quando o aplicamos para benefício de todos, quando o disponibilizamos com integridade, estamos recuperando as raízes arcaicas de Ártemis e Atena ao mesmo tempo, pois elas também são as nossas raízes. E quando recuperamos nossas raízes, quando somos quem somos e o expressamos na nossa vida, descobrimos que Ser Quem Somos é fácil, prazeroso e poderoso, tudo ao mesmo tempo!
As dádivas de Ártemis e Atena são o Amor e a Verdade, a dualidade básica do mundo da manifestação. Tudo que existe possui amor e verdade. Às vezes mais amor do que verdade, outras vezes mais verdade que amor. Enquanto o amor cria a conexão que nos torna unidos, a verdade cria espaço para a individualidade. Precisamos de ambas as qualidades para Sermos quem Somos.
Monika von Koss
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“A Magia é o estudo sério das leis que regem as forças que nos rodeiam e que são postas em ação pelo poder da Vontade; a Magia é a ciência que ativa a potência do verbo e, sobretudo, dirige e concentra o poder do Amor, porque a magia não é branca e nem negra. A cor da Magia está no coração de quem a pratica.”
(Márcia Villas-Bôas)
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