Inúmeras são as faces do feminino. Todas as suas infinitas representações estão contidas na figura da Grande Deusa, ela própria composta da miríade de aspectos que compõem a imagem do Grande Feminino, o Grande Redondo que tudo abarca e tudo contém.
O conjunto de suas representações se relaciona com todos os fenômenos da vida, incluindo a morte. Representa o céu, a terra e as águas, o sol, a lua e as estrelas, o reino vegetal, mineral e animal. Manifesta-se por meio das forças da natureza e seus elementos: ar, fogo, água e terra.
O mundo concebido como a manifestação da Deusa é um mundo múltiplo, variado e diverso, os diferentes elementos que o compõem se vinculando numa grande teia, definida por suas relações mútuas.
As inúmeras faces do feminino são os inúmeros aspectos do mundo fenomenal, incluindo os fenômenos visíveis e invisíveis, que se manifestam sempre no aqui e agora.
Intimamente relacionada com o viver e o experienciar, esta Grande Deusa se desdobra nas três grandes etapas da vida: a juventude, a maturidade e a velhice, encontradas em quase todas as tradições e representadas pela jovem donzela, pela mulher fértil e pela sábia anciã. O desdobramento é uma das características do feminino, sempre múltiplo.
A mais antiga das divindades gregas é Gaia, palavra grega que corresponde ao latim Terra e designa nosso planeta, nossa casa, a terra mãe. Conta o mito que, sentindo-se solitária, pariu Urano, o céu constelado, para envolvê-la toda. E com ele pariu todos os demais seres.
Desdobrável que é, podemos vê-la funcionando em seus três modos: instintivo, emocional e intuitivo.
O jeito instintivo de ser é próprio da juventude, quando nos deixamos levar e guiar por nossos ímpetos. É característico da jovem donzela, saindo da meninice e florescendo em seu pleno potencial, mas ainda não completa. Caracterizando-se por um estado desconhecido de alegre incerteza, este estado de consciência pertence a todas as mulheres e homens e felizmente pode se manifestar em qualquer época da vida.
É um estado de prontidão, de excitação diante do desconhecido, de apaixonamento, quando esperamos receber todas as dádivas da vida. Manifesta-se como espanto e curiosidade a respeito das próprias possibilidades e das possibilidades da vida, uma abertura aos mistérios e perigos que estão adiante. É um estar em processo, vivendo a antecipação, a liberdade e a espontaneidade que sentimos quando nos apaixonamos, seja pelo amanhecer, pela mudança das estações, por uma pessoa, um projeto. Nos faz experimentar a natureza como plena de coisas boas e de dádivas, a vida como plena de possibilidades. No cerne da instintividade está a receptividade, pois é preciso coragem e confiança para estar receptiva, deixando a vida fluir enquanto ainda não se sabe, mas se está consciente de não saber. Alerta e atenta aos tesouros que a vida pode trazer inesperadamente, a jovem se permite fluir nas águas da vida sem controle, deixando a correnteza levá-la. É um estado abençoado de ignorância, pois quem sabe não tem o que aprender e, portanto, não pode crescer e se tornar.
O ímpeto que nos move pode ser amoroso ou guerreiro.
O ímpeto amoroso é representado por Afrodite, a deusa grega do amor, da sexualidade, das artes e da beleza. Representa a energia que nos leva de encontro ao outro, que nos conecta com o mundo e com as pessoas. Possui a qualidade erótica que mantém unidos todos os elementos do universo. Quando estamos vivendo esta face do feminino, somos impulsionados pela paixão e nos atiramos inteiras, sem pensar nos riscos. O ímpeto guerreiro é representado por Ártemis, a deusa da natureza selvagem. Como senhora dos Animais, seu mundo é mais introspectivo, intimamente conectado com a natureza em seu estado primordial. Quando somos tocados por esta face do feminino, nos sentimos impulsionadas a buscar espaços isolados, longe do mundo urbano, civilizado. Procuramos o silêncio e a paz dos paraísos ecológicos. Podemos nos aventurar em lugares remotos do planeta, buscar animais não domesticados. O jeito emocional de ser é determinado pelos nossos sentimentos. Quando expressamos o conhecimento que vem da experiência registrada em nossos corpos, acolhemos e apreciamos cada oportunidade, encontrando uma dádiva em tudo que nos chega. O estado emocional nos deixa atentas e conscientes dos fluxos e refluxos das correntes em todos os relacionamentos. A atitude básica é de aceitação, confiança e inclusão. Encorajamos a comunidade, valorizamos suas experiências, somos movidas por um forte senso de justiça e expressamos a habilidade de nutrir outros, estimulando a tendência para formar comunidades e mantê-las unidas.
Expressamos a abundância da mãe terra que nutre e sustenta a vida a partir da riqueza e dos recursos de seu corpo abundante. Vivemos nosso corpo em sua plenitude, a mente e o coração fluindo com as dádivas do nosso ser. Quando vivemos plena e fluentemente em torno do nosso próprio centro, buscando o que desejamos e necessitamos, realizamos nossos sonhos e determinamos nossos próprios valores, raciocinando, tomando decisões, fazendo escolhas, assim sustentando e alimentando a vida em sua plenitude.
A emoção pode ser experimentada de forma maternal ou de forma soberana.
O aspecto maternal é representado por Deméter, a Deusa-Mãe, responsável pelas terras cultivadas. Representando a própria fertilidade, produz o alimento que nutre seus filhos. Tem como símbolo maior a espiga de trigo e cada vez que comemos um pedaço de pão, é a ela que devemos dar graças. Viver esta face não significa apenas ser mãe biológica. Podemos maternar tudo que vem até nós: planta, animal, ser humano. Tudo que é pequeno e necessitado de cuidados pode mobilizar esta energia em nós.
O aspecto soberano é representado por Hera, a Grande Rainha. Refere-se ao poder exercido amorosamente, à criação de condições para que a vida em sociedade possa se desenrolar harmônica e pacificamente. Quando vivemos a soberania, exercemos nossas habilidades a serviço da comunidade, preservando os valores e as tradições que nos conferem um sentido de identidade.
O modo intuitivo de viver está baseado na manifestação de uma sabedoria madura e profunda, resultante de muita experiência, destilada ao longo de muitas vidas e transformada na essência do saber, a verdadeira sabedoria que jamais se torna ultrapassada. Quando somos movidos por um saber que brota das profundezas do nosso ser, em conexão com o universo e em harmonia com seus ritmos, expressamos a sabedoria compassiva, que não é distorcida pela ilusão ou pelo sentimentalismo. Ela é mais ampla que o conhecimento intelectual, apesar de incluí-lo. É a compreensão calma, que nos possibilita olhar para os acontecimentos com serenidade e compreensão, que emergem da sabedoria ancestral acumulada ao longo dos milênios.
Mas também pode mostrar sua face terrível, porque é o portal para a morte. A intuição pode ser expressa por meio da sabedoria/justiça ou por meio da magia/ocultismo.
A intuição sábia e justa é representada por Atena, patrona da vida urbana, dos ofícios e das agremiações, de todos os recursos civilizatórios. Nos impulsiona ao estudo, à pesquisa, ao desenvolvimento da civilização. Nos sentimos parte da polis.
A intuição mágica ou oculta é representada por Perséfone, Senhora do Mundo Profundo. É mágica porque sua influência emerge de dentro e está ligada a tudo que chamamos de inconsciente. É um saber que vem de outros níveis de consciência. Nos atrai para os mistérios, para as artes divinatórias, para práticas espiritualistas, transpessoais.
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